Parto Domiciliar Planejado


Vi esse texto pelas minhas andanças e achei que deveria compartilhar com vocês. Espero que ajude a esclarecer algumas dúvidas.

Por Ana Cristina Duarte, obstetriz

Vejo muita gente dando palpite sobre parto domiciliar, especialmente profissionais de saúde, onde demonstram claramente que não fazem a menor ideia do que estão falando. Ouviram um pássaro cantar e já vão falando que é o Galo da Serra, sem nunca terem nem ouvido esse canto, muito menos visto a espécie. Achei por bem enumerar alguns fatos sobre o parto domiciliar planejado (PDP) que podem derrubar alguns mitos.
1) Qual gestante pode ter um PDP?
Gestantes saudáveis, com pré natal sem intercorrências, com um bebê único, posicionado, com mais de 37 semanas, com trabalho de parto espontâneo (não induzido)
2) Até onde vai o PDP? Ou até quando a gestante não pode mais mudar de ideia?
Vai até onde estiver seguro e sem intercorrência ou sem suspeita de possível intercorrência. Batimentos cardíacos fetais normais, mãe em boas condições. A qualquer sinal de possível intercorrência, a opção de retaguarda será acionada e o parto passa a ser hospitalar. A gestante pode mudar de ideia a qualquer momento e ir para o hospital para analgesia ou o que mais quiser.
3) Como se sabe que está tudo bem?
Através dos controles periódicos dos batimentos cardíacos do bebê e dos sinais vitais maternos, o que ocorre durante todo o trabalho de parto.
4) Como esteriliza a casa ou o quarto para o parto?
Isso não existe, nem no hospital, nem em casa. O que se faz no hospital é a limpeza da sala entre um parto e outro com materiais de limpeza, mas a única coisa que é esterilizada no hospital é o que entra em contato com o parto em sim, com as cavidades, cortes, etc. Em casa é a mesma coisa, o que for entrar em contato com "aberturas corporais" estará esterilizado. A questão que preocupa na contaminação hospitalar é o contato da gestante com virus e bactérias que causam doenças e que sempre estão presentes em ambientes hospitalares. Em casa essas bactérias não existem, não houve cirurgias anteriores, tratamento de doentes, nada disso.
5) Mas e o pós-parto? Como fica a bagunça do parto? Quem cuida do bebê?
Após parto a equipe limpa toda a casa e elimina todos os vestígios do atendimento, materiais com sangue, restos, etc.. Com relação ao bebê, assim como no hospital, após ser examinado e vestido, ele fica sob cuidados dos pais em alojamento conjunto, o mesmo ocorre em casa. Os profissionais farão as visitas pós-parto e estão de prontidão para uma visita imediata durante toda a semana posterior ao parto.
6) Quem é o profissional que atende esses PDP?
Enfermeiras obstetras, obstetrizes e médicos podem atender esses partos. Doulas não podem atender partos, elas podem dar assistência emocional, apoio, mas não atendem os partos. As equipes são compostas pelo menos de um profissional desses anterioremente citados, podendo chegar a três profissionais, sendo que todos são capacitados para o atendimento de emergências obstétricas e reanimação neonatal
7) Quais procedimentos podem ser feitos num PDP?
Nenhum procedimento. Para acelerar, induzir, usar fórceps, etc, a gestante é levada ao hospital.
8) O que esses médicos/enfermeiras/obstetrizes levam para o atendimento em casa?
Todo o material estéril (agulhas, seringas, campo estéril para sutura, agulha de sutura, anestésico local, material de sutura, luvas, antisséptico, etc).
Todo o material de reanimação neonatal (tapete aquecido, ambu, máscara, cilindro de oxigênio, material de aspiração, material de transferência, etc).
Todo o material para emergência pós-parto materna (soro, material de punção venosa, drogas anti-hemorrágicas, etc).
9) Tem ambulância na porta?
Não, nenhum país que tem atendimento de parto domiciliar tem ambulância na porta. Essa é apenas mais uma lenda urbana sobre parto em casa.
10) E se acontecer alguma coisa?
Vamos separar o que seria esse "alguma coisa", para facilitar.
a) Com o bebê: se precisar de reanimação, reanima-se em casa, como numa sala de parto qualquer, com ventilação positiva. São as mesmas técnicas e materiais. Mas e se for tão grave que precisar adrenalina? Bebês saudáveis, de pré natal saudável, em partos naturais de termo sem intervenção não necessitam adrenalina. Olhe retrospectivamente para todos os casos de adrenalina e você verá que eram partos prematuros, ou bebês doentes, ou partos absurdamente medicalizados. Se ele tiver alguma malformação inesperada e grave, ele será mantido sob ventilação e transferido para um hospital com UTI neonatal, tal qual se faz em qualquer hospital ou cidade onde não existe UTI neonatal.
b) Com o parto: se for parto pélvico de surpresa, deixa-se nascer com as técnicas normais de parto pélvico; se for distócia de ombros, resolve-se igualmente com as mesmas manobras hospitalares; se precisa de fórceps é porque já era um parto complicado, transfere-se ao longo do parto; se os batimentos não forem bons, transfere-se; se houver mecônio em baixa quantidade e batimentos normais, aguarda-se o parto; se houver muito mecônio ou batimentos anormais, transfere-se.
c) No pós parto: se houver hemorragia, corrige-se com ocitocina, ergotrate e reposição de líquido; placenta retida, transfere-se para remoção no hospital; atonia uterina não é uma entidade de partos normais sem medicalização, mas em tese tranfere-se também. Se houver laceração, os três profissionais têm autorização, técnica e material para suturar sob anestesia local em casa.
11) E dá tempo de resolver?
Os estudos internacionais sobre PDP com equipe experiente mostram que o risco de mortalidade/morbidade não muda em casa ou no hospital e que o PDP é uma opção segura para gestantes de baixo risco. Isso não quer dizer que nada pode acontecer. Mesmo em países com baixíssima taxa de mortalidade, cerca de 1 a cada 500 bebês não viverá fora do útero. E isso poderá acontecer em casa, no hospital, no Brasil, na Dinamarca, nos Estados Unidos.
12) Mas estar no hospital não faz tudo ser bem mais rápido?
Na prática e em geral não. Tirando raras exceções, uma cesariana "de emergência" vai ocorrer num prazo aproximado de 30 minutos, às vezes até 1 hora, às vezes mais. A maioria dos hospitais brasileiros não possui anestesista de plantão, ou não há um disponível e livre o dia todo, nem mesmo uma sala de cesariana pronta e reservada. A idéia de que o hospital é um lugar onde tudo está pronto e disponível é irreal e mora mais no imaginário popular do que no bloco cirúrgico.


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